segunda-feira, 24 de maio de 2010

Claudia Raia: "Sou a Indiana Jones dos musicais"


Num país onde poucos são os teatros equipados tecnicamente para receber grandes produções, Claudia Raia construiu uma caixa cênica a ser instalada sobre o palco para suprimir o problema da ausência de recursos. Desde então, ela viaja o Brasil com o musical Pernas Pro Ar (confira o serviço completo), que chega a Curitiba neste fim de semana, no Teatro Positivo. O espetáculo tem uma sofisticada tecnologia a serviço da dramaturgia, que propicia uma cenografia virtual projetada em três dimensões (3D). Tudo porque a atriz sonhou bater mais pernas do que sua personagem. "Sou a Indiana Jones dos musicais", afirma.


Veterana em matéria de musicais (estreou no gênero em 86, com "A Chorus Line"), a atriz interpreta a dona de casa Helô. É uma mulher pacata, daquelas que participam de reuniões do Rotary Club, vai à academia, cuida da casa e do marido e viaja para Miami nas férias. Mesmo entediada, não busca mudanças radicais, ao contrário, é uma mulher estática. Até que um dia, sem saber que está sonhando, ela recebe a visita de um demônio que avisa: "o inferno é lugar de gente medíocre". A mulher certinha, então, sucumbe à tentação de descobrir uma vida emocionante. "Há muitas Helôs no Brasil que não ousam. Estão acomodadas nas suas frustrações e no desgosto de viver determinadas situações", falou.


O espetáculo nasceu de um sonho de Claudia Raia em que ela rodava o País contando histórias do universo feminino em uma caixa, que servia de palco, cenário e teatro. A viagem dentro do quarto de Helô só é possível graças a cenários criados por meio de uma projeção volumétrica. Em uma cena, por exemplo, uma animação faz com que suas pernas dancem autônomas, numa espécie de moldura em torno do palco. No palco, quem guia os projetores são sensores que podem ser acionados por meio de uma marcação no corpo, por som, por temperatura ou pela voz – o que exigiu um treinamento especial da atriz.


A seguir, acompanhe a entrevista com Claudia Raia:


A história dos musicais no Brasil vive seu melhor momento. Você acredita que ajudou a reinventar ou transformar o gênero musical no País?


Sem dúvida. Na verdade, me sinto no meio desse grupo pequeno que tem no máximo quatro pessoas. A gente lutou muito. Eu tive oportunidade de morar nos Estados Unidos. O Brasil conhece o teatro de revista. Estudamos muito em como tocar esse público sem que ele pensasse que era algo americano. Então, começamos com o teatro de revista. E dentro desse gênero fui inserindo a Broadway. Ou seja, a gente já fazia a Broadway. Broadway ou não, o musical é um gênero que se adapta ao Brasil. O Brasil é um país muito musical.


"Pernas Pro Ar" abre mais um capítulo de sucesso na história dos musicais. É a Broadway do Brasil e no Brasil adentro, já que você leva o musical a cidades onde esse tipo de atração não costuma chegar...

Nossa, impressiona. Sou a Indiana Jones dos musicais. Sinto um orgulho danado. O "Pernas Pro Ar" é um projeto que não foi feito para ficar no Rio de Janeiro e São Paulo. É um musical itinerante. Sou capricorniana, tenho gosto pelas coisas difíceis. O Brasil é um País tão musical. Não consigo entender como um País tão grande assim não tem mais acesso a esse gênero.


"Pernas Pro Ar" traz uma novidade que o Brasil não tinha visto até então como a projeção volumétrica. Coisa que Madonna e Cirque du Soleil utilizam. E agora Claudia Raia...


A gente lutou muito para conseguir o que a gente faz. Os Estados Unidos têm know-how de musical. Mas a gente também consegue fazer muito bem. Em uma cena do "Pernas Pro Ar", um vestido sai de um corpo de uma modelo no outdoor, desce ao chão e me veste. O público fica "babando". Nos Estados Unidos, são mais de 500 efeitos por minuto. A gente tem uma pessoa que consegue fazer isso. O "Pernas Pro Ar" é diferente. Usamos uma técnica diferente. Formato diferente. Não é melhor, não é pior, é diferente. E acredito que não temos que fechar nossos olhos para o know-how dos Estados Unidos. Temos sim que aprender com eles.


Você realizou o sonho de levar um espetáculo do gênero musical (Pernas Pro Ar) para várias partes do Brasil. Saiu algo errado? O que foi mais difícil?

Sim. O mais difícil foi levá-lo para Manaus há duas semanas, antes de desembarcar aqui em Curitiba. Ficamos 15 dias com a companhia parada. Isso tem um custo absurdo. Foram 7 dias em cima de uma balsa e mais 7 dias de deslocamento em estrada. Uma loucura. Agora, o pior lugar mesmo que apresentamos foi no Rio de Janeiro. Eu quis fazer uma coisa diferente, quis apresentar no Pier Mauá por ser um lugar alternativo, com uma vista linda para a Baía de Guanabara. Eu queria criar outras possibilidades. Uma experiência aflita. O lugar tinha sérios problemas de acústica, visibilidade. Tivemos que construir uma arquibancada em dois dias. No final, deu tudo certo. Era bastante ruim acusticamente. Não chegou aos pés do que deveria ser. O "Pernas Pro Ar" é um grande aprendizado.


O que você diria aos que tem medo do gênero musical? Não precisa passar longe de "Pernas pro Ar"...


Se quiser passar longe do teatro, deixa comigo que eu agarro pelas pernas (risos). O musical não é um bicho papão. É leve. É entretenimento. Nada ali é muito profundo. Não tem psicologia. A minha personagem Helô é frustrada, tem um casamento falido e não ousa na vida. Ela não pretende ser mais do que isso. Ela tem os conflitos dela. E no final também aparecem as soluções dela. É uma história amarrada. O musical pretende apenas entreter. São 13 músicas, tocadas cantadas ao vivo. É um divertimento.


Que pontos em comum você tem com a personagem Helô?


Pouco. Tudo que eu sonho, ela não sonha. Ela não ousa, eu sim. É uma mulher estática. Talvez um pouco do romantismo, de uma visão romantizada da vida.


Juntar dança, música e interpretação. O que você mais gosta de fazer na vida?

Gosto de fazer os três ao mesmo tempo. O musical é uma arte dos três cérebros. São atividades tão diferentes. Você não pode pensar como uma pessoa normal. Tem que ser um artista completo.


O quanto Pernas Pro Ar exige de condicionamento físico?


Muito. A gente se condiciona a fazer o espetáculo em um determinado tamanho de palco. É sempre aquele tamanho para a gente. Só que existem algumas coisas que mudam, como a coxia por exemplo. Em alguns lugares, dou quatro ou cinco passos para chegar à troca de roupa. Em outros, são dez ou até quinze passos. E para conseguir fazer no tempo, tenho que correr. Somando tudo isso... Às vezes, estou cantando já sem fôlego. O meu fôlego mudou muito. Claro, tenho que estar com os exercícios aeróbicos em dia para fazer tudo sem ofegar. Mas minha voz mudou muito. Está bem diferente.


Os 40 anos da Helô é um lugar de gente sem graça? Que não ousam?


Há muitas Helôs no Brasil que estão acomodadas nas suas frustrações e no desgosto de viver determinas situações. Elas não ousam porque, às vezes, tem a ver com a cultura machista do nosso País. Olha, muitas mulheres falam comigo no final do espetáculo. Dizem que se identificam a minha personagem.


E para onde suas pernas ainda a levarão?


Nossa, para muitos lugares. Eu quero dançar até as minhas pernas não aguentarem mais. Eu sei que a idade chega e isso é sim uma realidade. Mas também acredito que tudo é possível. Tenho muitas coisas lindas para viver daqui por diante. Vou voltar a fazer novela (remake Ti -Ti-Ti). Estou muito feliz.

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